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Ensinando a Tristeza, um conto de Rubem Alves

O ser humano é preparado para viver uma vida feliz. Esse preparo é feito por mestres que desconsideram que mesmo uma vida feliz, é permeada por momentos tristes - momentos esses que, geralmente, são repelidos, silenciados, ignorados. O que nos leva a seguinte questão: Sabemos viver a tristeza?


Pela obrigação de estarmos sempre felizes e por não termos um repertório cognitivo comportamental bem desenvolvido para lidarmos com adversidades, tendemos a desviar da tristeza; por desviarmos da tristeza, tendemos a não desenvolver um repertório cognitivo comportamental que nos permite entrar em contato com ela. Esse ciclo vicioso nos prende a uma estagnação física, mental e emocional, e nos leva ao comportamento constante da fuga, onde não fugimos apenas da tristeza, mas do desconforto envolvido na experiência de sentir-se triste.

Num geral, o nível de desconforto que sentimos quando nos permitimos entrar em contato com a tristeza indica o nível de atividade do organismo como um todo para lidar com ela - nessa dinâmica pouco cômoda, estamos exercitando e ampliando nossa capacidade mental e emocional para equilibrar, acomodar a experiência da melhor maneira possível, e saltar para um próximo nível de aprendizado

O desconforto experienciado ao entrar em contato com a tristeza, até certo ponto, é tido como normal e saudável; é um sinal de que estamos aprendendo a lidar com esse sentimento. Esse desconforto só se torna uma ameaça quando traz prejuízos significativos para a vida do indivíduo - nesses casos é indicado o acompanhamento de um profissional capacitado que ajude o sujeito a entrar em contato com essa e outras emoções que possam ser de difícil elaboração.


Num geral, o nível de desconforto que sentimos quando nos permitimos entrar em contato com a tristeza indica o nível de atividade do organismo como um todo para lidar com ela - nessa dinâmica pouco cômoda, estamos exercitando e ampliando nossa capacidade mental e emocional para equilibrar, acomodar a experiência da melhor maneira possível, e saltar para um próximo nível de aprendizado. Ao fugir constantemente dessas experiências, perdemos uma boa oportunidade de amadurecer emocionalmente.


Pensando sobre a pedagogia das emoções, trago esse conto de Rubem Alves para refletirmos sobre a presença da tristeza em nossa vida, e a importância de aprendermos a vivê-la.

"Fui apresentado à poesia da Helena Kolody poucas semanas atrás. Foi uma descoberta que me trouxe alegria. Não porque seus poemas sejam alegres. Todos eles têm uma pitada de tristeza. A Adélia sabe que o que é bonito enche os olhos dágua. A beleza vem sempre misturada à tristeza. Na coleção, gostei desse mínimo poema: “Buscas ouro nativo entre a ganga da vida. Que esperança infinita no ilusório trabalho…Para cada pepita, quanto cascalho” (Helena Kolody, Positivo, Curitiba). Gosto de ler as Escrituras Sagradas. Mas leio como quem garimpa ouro. Para se encontrar uma pequena pepita quanto cascalho há de se jogar fora! Acho até que foi arte de Deus… Foi ele mesmo que misturou cascalho e pepitas, prá separar os maus dos bons leitores. Os maus leitores não sabem separar as pepitas do cascalho… Nas minhas garimpagens encontrei essa pepita: “Melhor é a tristeza que o riso. Porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.” Esse texto me apareceu na memória quando eu pensava sobre aquela pergunta sem resposta que deixei ao final do meu último artigo: “Como se pode ensinar compaixão?” A compaixão é triste? Ensinar compaixão será ensinar a tristeza? Tristeza será coisa que se ensine? Haverá uma pedagogia da tristeza? Estranho pensar que um professor, ao iniciar o seu dia, possa dizer para si mesmo: “Vou ensinar tristeza aos meus alunos…” Eu mesmo nunca havia pensado nisso. E todos os terapeutas, não importando a sua seita, em última instância estão envolvidos numa batalha contra a tristeza. E agora eu digo esse absurdo, que tristeza é prá ser ensinada, para fazer melhor o coração. Os poetas me entendem. A poesia nasce da tristeza. “Mas eu fico triste como um por de sol quando esfria no fundo da planície e se sente a noite entrada como uma borboleta pela janela”, escreveu Alberto Caeiro. E conclui: “Mas minha tristeza é sossego porque é natural e justa e é o que deve estar na alma…” Tristeza natural e justa, que deve estar na alma! Num outro lugar Fernando Pessoa escreveu algo mais ou menos assim: “Ah! A imensa felicidade de não precisar de estar alegre…” Existe uma perturbação psicológica ainda não identificada como doença. Ela aparece num tipo a que dei o nome de “o alegrinho”. O alegrinho é aquela pessoa que está, o tempo todo, esbanjando alegria, dizendo coisas engraçadas, e querendo que os outros riam. Ele é um flagelo divino. Perto dele ninguém tem a liberdade de estar triste. Perto dele todo mundo precisa estar alegre… Porque ele não consegue estar triste, o alegrinho não consegue ouvir a beleza dos noturnos de Chopin, nem sentir as sutilezas da poesia da Sophia de Mello Breyner Andressen e nem gozar o silêncio da beleza do crepúsculo. Porque ele está sempre alegrinho, na sua alma não há espaço para sentir a compaixão. Para haver compaixão é preciso saber estar triste. Porque compaixão é sentir a tristeza de um outro. Contei do menino que chorou ao ler a estória do O patinho que não aprendeu a voar. Aconteceu assim: o seu pai comprou o livro esperando que ele fizesse o seu filho dar muitas risadas. Voltou no dia seguinte muito bravo. Trazia o livro na mão, para devolvê-lo. Ao invés de dar risadas, ao final da estória o seu filho pôs-se a chorar. A estória é, de fato, triste. Eu a escrevi para o meu filho que estava passando por uma crise de vagabundagem. O seu prazer nas vagabundagens era tanto que ele não queria saber de aprender. O patinho também não queria saber de aprender. Não pode voar com seus irmãos quando chegou a estação das migrações. O menininho tinha razões para chorar? Não. As razões do seu choro não eram dele. Eram do patinho. Ele sofria o sofrimento do patinho. O seu coração batia junto ao coração do patinho. Mas o patinho não existia. Era apenas um personagem inventado de uma estória do mundo do “era uma vez”. E o menino sabia disso. Mas, a despeito disso, ele chorava. Aqui está um dos grandes mistérios da alma humana: a alma se alimenta com coisas que não existem. Eu havia levado minha filha de seis anos para ver o E.T. Ao fim do filme ela chorava convulsivamente. Jantou chorando. Resolvi fazer uma brincadeira: “Vamos no jardim ver a estrelinha do E.T!” Fomos, mas o céu estava coberto de nuvens. Não se via a estrelinha do E.T. Improvisei. Corri para trás de uma árvore e disse: “O E.T. está aqui!” Ela me disse: “Não seja tolo, papai. O E.T. não existe! Contra ataquei: “Não existe? E porque você estava chorando se ele não existe?” Veio a resposta definitiva: “ Eu estava chorando porque o E.T. não existe…” Volto então à pergunta que fiz sem saber a resposta. O menino chorou ao ler a estória do patinho. Mas o patinho não existia. Minha filha chorou ao ver o filme do E. T. Mas o E.T. não existia. Pensei então que um caminho para se ensinar compaixão, que é o mesmo caminho para se ensinar a tristeza, são as artes que trazem à existência as coisas que não existem: a literatura, o cinema, o teatro. As artes produzem a beleza. E a beleza enche os olhos dágua… Como dizem as Escrituras Sagradas, “com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.

Meus amigos podem ficar tranquilos. Sou triste sim. Mas minha tristeza “é natural e justa e é o que deve estar na alma…”. Volto às Escrituras Sagradas: “Com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”. É isso que desejo ensinar aos meus alunos…”


– Rubem Alves, no livro “Pimentas – para provocar um incêndio, não é preciso fogo”. {contos} Editora Planeta, 2012

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